segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Tornado causa destruição na Mata Atlântica de Santa Catarina.


 Só restaram os troncos das árvores após a passagem de um tornado pela parte mais preservadas da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC). Clique sobre a imagem para ampliar

Exemplar gigantesco de ARAÇA-PIRANGA (Eugenia leitonii) que foi estraçalhado pelo tornado que atingiu uma das partes mais preservadas da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC). Clique sobre a imagem para ampliar
 Tornado atinge uma das reservas mais preservadas de Santa Catarina.

Árvores ameaçadas de extinção foram derrubadas pela força dos ventos
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Um evento climático com características de um tornado causou grande destruição na Localidade Linha Cerqueira, em Itaiópolis (SC). Moradores, famílias de pequenos agricultores, ficaram muito assustados porque ainda não tinham ainda vivenciado um fenômeno climático tão devastador.

Ventos que giravam com altíssimas velocidades destruíram uma faixa de Mata Atlântica primária da RPPN das Araucárias Gigantes, praticamente moendo as árvores centenárias de espécies ameaçadas de extinção como CANELA-SASSAFRÁS (Ocotea odorifera) e CANELA-PRETA (Ocotea catharinensis). Pássaros de várias espécies foram encontrados mortos nas bordas das matas. As plantações de tabaco de 45 pequenos agricultores foram arrasadas, com perda total da maioria das lavouras. Os fortes ventos também destruíram casas de madeira, destelharam e derrubaram até paredes de alvenaria de casas e estufas de secagem de tabaco.


CANELA-SASSAFRÁS (Ocotea odorifera), espécie ameaçada de extinção, derrubada pelo tornado que atingiu uma das partes mais preservadas da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC). Clique sobre a imagem para ampliar

Crianças entraram em pânico. Elen Iasmin Govacki, 9 anos, tentava em vão acender uma vela benta dentro de sua casa que estava bem fechada mas não conseguia porque o vento entrava com muita força pelas frestas das portas e janelas. Desistiu e saiu correndo para outro cômodo da casa ao ouvir estrondos e ver pela janela da cozinha duas copas de araucárias sendo arrancadas e arremessadas em sua direção, mas por sorte não atingiram sua casa. Nem a igreja da comunidade escapou da fúria dos ventos, tendo parte do telhado arrancado.

O fenômeno ocorreu no sábado do dia 14/12/2013, por volta das 17 h e durou apenas 20 minutos. Foi bem localizado em uma faixa de 500 metros de largura e estendendo-se por alguns quilômetros. O que estava dentro desta faixa sofreu destruição, mas com intensidade variável. Na parte onde o suposto tornado tocou o solo pela primeira vez foi a mais destruída. As folhas de tabaco foram arrancadas e varridas das lavouras, restando apenas o talo. Muitas araucárias jovens que estavam no caminho do tornado tiveram as copas decepadas e atiradas bem longe.

O tornado veio acompanhado de muito granizo que atingiram também propriedades vizinhas e contribuiu para aumentar os prejuízos dos agricultores, muitos dos quais perderam a única fonte de renda de um ano, já que a metade não fez seguro da lavoura e alguns fizeram seguro parcial. Além disso, eles financiaram máquinas e o custeio das lavouras e, portanto, dependiam da safra para quitarem as dívidas contraídas.

Infelizmente, a RPPN das Araucárias Gigantes estava próxima do ponto onde o tornado tocou o solo pela primeira vez e uma faixa de mata primária entre 30 e 70 metros de largura, a partir da borda das lavouras, foi triturada, ficando apenas o tronco da maioria das gigantescas árvores centenárias, sendo que algumas foram arrancadas com as raízes. Esta destruição foi ao longo de 200 metros da divisa entre RPPN e a área de agricultura, onde o tornado perdeu força ou sofreu um desvio para fora da mata. As gigantescas araucárias da RPPN, que podem ter mais de 500 anos, estão fora desta faixa e nenhuma sofreu qualquer dano.

RPPN das Araucárias Gigantes. É possível ver os estragos do tornado na parte superior, do centro para a esquerda. Neste local foi atingida uma área aproximada de 1 hectare. As araucárias que aparecem nesta imagem têm cerca de 50 metros de altura. Clique sobre a imagem para ampliar
A Elza e eu chegamos para ver o estrago na RPPN três dias depois. De longe parecia que não era tão grave como nos informaram. Achamos que somente algumas árvores da borda tiveram as copas arrancadas. Quando entramos na área, que era de mata primária, ficamos assustados com o cenário de destruição. Parecia que uma roçadeira gigantesca passou por ali. Não conseguíamos se deslocar de tantos galhos enormes caídos, das copas inteiras das árvores, das quais restaram apenas os troncos. Conseguimos reconhecer algumas das árvores que foram marcantes, como de uma espécie rara que só recentemente conseguimos identificar. No meio dos escombros conseguimos localizar um exemplar de CANELA-SASSAFRÁS (Ocotea odorifera), espécie ameaçada de extinção, que costumamos mostrar para os visitantes. Graças a Deus que a 50 metros da borda não teve destruição, a mata permaneceu intacta. No entanto, descobrimos mais tarde que outra parte de mata secundária da RPPN foi também duramente atingida (veja imagem acima).
 
Este é o terceiro evento climático extremo que atinge a região em três anos e meio. A mata ainda estava se recuperando da nevasca ocorrida no dia 22 de julho deste ano e do vendaval e granizo do dia 16 de julho de 2009. Se estes eventos continuarem ocorrendo com esta freqüência teremos impactos significativos sobre as últimas áreas bem preservadas de Mata Atlântica e as atividades de agricultura poderão ficar inviabilizadas. Não há nada que se possa fazer diante da poderosa força destruidora destes fenômenos, a não ser rezar como fizeram os agricultores durante os longos vinte minutos em que estiveram com suas vidas em jogo dentro de suas casas sacudidas pela força dos ventos.



Exemplar gigantesco de canela-bugia (Ocotea nectandrifolia) derrubada pelo tornado do dia 14/12/2013 na RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC)
Borda da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC), atingida pelo tornado. Clique sobre a imagem para ampliar
Pinheiros (araucárias) em frente da residência do agricultor Elcio Glovacki tiveram as copas decepadas pelo tornado. Clique sobre a imagem para ampliar
Copada de uma das araucárias da imagem acima foi parar no meio de uma plantação de tabaco. Clique sobre a imagem para ampliar
Elza  Nishimura Woehl junto a uma CANELA-SASSAFRÁS (Ocotea odorifera), espécie ameaçada de extinção, derrubada pelo tornado que atingiu uma das partes mais preservadas da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC). Clique sobre a imagem para ampliar
CANELA-SASSAFRÁS (Ocotea odorifera), espécie ameaçada de extinção, derrubada pelo tornado que atingiu uma das partes mais preservadas da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC). Clique sobre a imagem para ampliar
Tornado destruiu parcialmente a estufa de secagem de tabaco de Elcio Glovacki, integrado da Souza Cruz. Clique sobre a imagem para ampliar
Plantação de tabaco arrasada pelo tornado. Foi próximo neste local que o tornado tocou o solo pela primeira vez. Clique sobre a imagem para ampliar
Casa de madeira destruída pelo tornado. Clique sobre a imagem para ampliar
Reflorestamento de Eucalipto no entorno da RPPN das Araucárias Gigantes atingido pelo tornado. Foram derrubadas 53 árvores neste local. Clique sobre a imagem para ampliar

sábado, 14 de dezembro de 2013

Fundador do Instituto Rã-bugio ganha prêmio da Sociedade Brasileira de Zoologia


PERERECA-VERDE (Aplastodiscus ehrhardti) uma das riquezas da biodiversidade da Mata Atlântica. Clique sobre a imagem para ampliar
A Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ), sediada no Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná, que congrega pesquisadores brasileiros da área de zoologia, agraciou o ambientalista catarinense Germano Woehl Junior com o Prêmio “Novaes Ramires: Destaque Individual em Conservação”.

Este prêmio é destinado ao indivíduo que ao longo de sua trajetória como cidadão e/ou profissional tenha desenvolvido conjunto de atividades com impacto significativo para a conservação da natureza.

A indicação ao prêmio foi feita por pesquisadores da área e julgamento da diretoria da SBZ que concedeu o prêmio pelo reconhecimento das iniciativas em prol da natureza de Germano e sua esposa Elza Nishimura Woehl, como a criação da ONG, Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade, com sede em Jaraguá do Sul (SC).

Nas atividades de educação ambiental o Instituto Rã-bugio já atendeu cerca de 60 mil estudantes e 3100 professores em trilhas interpretativas da Mata Atlântica. O casal adquiriu e transformou em RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) 856 hectares de Mata Atlântica bem preservada, que foi comprada aos poucos para salvá-la do desmatamento, sendo que uma parte foi adquirida com ajuda de doadores.

Além destas ações, o casal conseguiu captar recursos por meio de doações de pessoas físicas, patrocínio de empresas e apoio da Prefeitura de Jaraguá do Sul e construiu um centro da natureza, o Centro Interpretativo da Mata Atlântica, na Serra do Mar, em Jaraguá do Sul (SC), com toda a infraestrutura para atender as escolas nas atividades em trilhas onde é proporcionado o contato com a natureza das crianças e adolescentes para eles valorizarem as áreas naturais e aprenderem sobre a biodiversidade no próprio hábitat.

A premiação será entregue na cerimônia de abertura do XXX Congresso Brasileiro de Zoologia a ser realizada em Porto Alegre no dia 04 de fevereiro de 2014, às 18h. A família Novaes Ramires, que dá nome ao prêmio, fará uma doação em dinheiro como complementação à premiação.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Uso ilegal de agrotóxico causa impacto na Mata Atlântica

Efeito do herbicida GAMIT 500 na vegetação do sub-bosque da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis, Santa Catarina. A planta que teve as folhas esbranquiçadas é uma muda da árvore MARIA-MOLE (Rudgea sessilis). Repare as mudas em volta também ficaram com as folhas esbranquiçadas. Foto em 16/11/2013, 45 dias após a aplicação do GAMIT 500. Clique sobre a imagem para ampliar

Muitos acham que o impacto direto do uso de agrotóxicos fica restrito às áreas de agricultura onde são aplicados e nos produtos agrícolas, como os cereais e as hortaliças, que consumimos. Eu também pensava assim até conhecer os terríveis impactos de um herbicida chamado GAMIT 500, usado nas plantações de tabaco, no entorno da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC).

Após
este herbicida ser aplicado diretamente no solo, a substância ativa clomazone, que é muito volátil, evapora rapidamente e se espalha pelo interior da mata a distâncias de centenas de metros, deixando as plantas nativas, principalmente do sub-bosque, com folhas esbranquiçadas, sintoma conhecido como clorose*, como pode ser visto nas imagens. Algumas espécies de árvores da Mata Atlântica, como CEDRO-ROSA Cedrela fissilis, AÇOITA-CAVALO Luehea divaricata e MARIA-MOLE Rudgea sessilis, são as mais sensíveis. As mudas destas espécies geralmente morrem.

Outra imagem das folhas esbranquiças da vegetação do sub-bosque da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC), devido à ação do herbicida GAMIT 500 aplicado em uma plantação de tabaco do entorno. Foto em 16/11/2013. Clique sobre a imagem para ampliar
Os pomares das residências num raio de até 800 metros também são muito afetados, principalmente os pés de laranja, caqui e jabuticabeiras. Mudas novas, não se recuperam. Frutos das laranjeiras em formação são abortados instantaneamente.

Existe uma formulação mais diluída do produto e uma tecnologia que torna a substância ativa clomazone menos volátil, que é o GAMIT 360 CS, que não causa tanto impacto quanto o GAMIT 500, com a formulação mais concentrada (500 gramas da substância ativa clomazone por litro) e muito volátil (evapora rapidamente e se espalha para o ambiente). O Estado do Paraná proibiu o uso do GAMIT 500. As companhias de tabaco recomendam para seus integrados que utilizem somente o GAMIT 360 CS, mais seguro.

Geralmente os integrados obedecem à orientação das companhias de tabaco, que os estimulam a adotarem as práticas corretas remunerando melhor a produção para aqueles que seguem as orientações, que ganham até notebooks. Existe uma classificação para os fumicultores, onde o nível A é o topo, o fumicultor integrado nota 10 da companhia de tabaco. Porém nesta questão ambiental há uma distância enorme entre o discurso das companhias e o que o ocorre nas propriedades.

Apenas um fumicultor do entorno da RPPN usa todos os anos este terrível GAMIT 500 e, pasmem, ele está classificado como integrado nível A de uma companhia de tabaco. Todos os demais fumicultores usam o herbicida com a formulação diluída, mais seguro, o GAMIT 360 CS. Eu constatei pessoalmente que esta formulação diluída não deixa as folhas esbranquiçadas das plantas no interior da mata.

Algumas plantas como esta muda de MARIA-MOLE Rudgea sessilis do sub-bosque da RPPN das Araucárias Gigantes são mais sensíveis à ação do GAMIT 500, herbicida aplicado ilegalmente em uma plantação de tabaco do entorno. Foto em 16/11/2013.  Clique sobre a imagem para ampliar

Eu nunca tinha visto um efeito do GAMIT 500 tão devastador como neste ano de 2013. Fiquei chocado ao ver a vegetação tão esbranquiçada. Árvores frondosas com a totalidade das folhas esbranquiçadas, isto é, sem clorofila para realizarem a fotossíntese (as folhas nesta situação caem logo em seguida). Não sobrou uma laranja sequer nos pomares dos moradores do entorno. As fotos desta postagem foram tiradas 45 dias depois, quando não havia mais vestígios da vegetação morta. É provável que neste ano ele aplicou o GAMIT 500 em um dia ensolarado, muito seco e com muito vento que aumentou a evaporação e a deriva.
Efeito do GAMIT 500 em um pé de laranja jovem do pomar de uma residência próxima da plantação de tabaco onde o herbicida foi aplicado. Nesta propriedade todos pés de laranja tiveram a totalidade de seus frutos em formação abortados. Não haverá laranja no ano que vem. Foto em 16/11/2013.  Clique sobre a imagem para ampliar
Eu tentei entender porque este fumicultor, integrado classe A, que tem a disposição alternativas mais segura para todos e tantos alertas, persiste em usar a formulação concentrada do herbicida, o GAMIT 500, que o próprio fabricante adverte que é muito perigoso para a saúde, que exige uma série de cuidados na aplicação, como por exemplo não pode ser usado a menos de 800 das matas nativas e pomares e que após a aplicação ninguém pode entrar na lavoura durante 24 horas. Ocorre que tem uma residência com três crianças a 5 metros da lavoura, do outro lado da estrada, onde ele aplicou o veneno. Ou seja, estas crianças vivem praticamente dentro da plantação de tabaco do integrado nível A.

O preço, obviamente, é uma das razões. Por incorporar a tecnologia que reduz consideravelmente a volatilidade, o GAMIT 360 CS é 50% mais caro do que o GAMIT 500. O GAMIT 360 CS custa R$ 50,00 o litro, enquanto o GAMIT 500 custa R$ 33,00 o litro. A quantidade utilizada, recomendada pelo fabricante
para o GAMIT 360 CS, pode chegar até a 3 litros por hectare. As lavouras de fumo ocupam área pequenas, em média 3,7 hectares. Então, este fumicultor deve ter economizado R$ 150,00 por ter optado pelo herbicida mais nocivo à saúde.

Outra explicação que me deram é que a formulação concentrada do herbicida, o GAMIT 500, é mais eficaz em exterminar de qualquer ser vivo do reino vegetal, plantas e sementes. Alguns dias após a aplicação do herbicida sobre a terra nua, as mudas de tabaco podem ser transplantadas e planta cresce e se desenvolve sem a competição de qualquer matinho até a colheita das folhas. Já a formulação diluída e menos volátil do herbicida, o GAMIT 360 CS, que é mais segura para saúde das pessoas e para a natureza, permite que um matinho ou outro germine durante o desenvolvimento do tabaco, necessitando, às vezes, de uma leve capina com enxada, em algumas partes. Um serviço simples e rápido, que não demanda muita mão-de-obra.

A situação da Mata Atlântica é grave e neste momento crucial para salvar as poucas áreas que restam, as companhias de tabaco poderiam ser grandes aliadas se na relação com seus integrados a questão de proteger a Mata Atlântica entrasse também como condicionante, mas lá na propriedade do integrado e não apenas nas notas divulgadas para a imprensa e nas promessas para autoridades. Creio que não é muito difícil chegar para este integrado nível A e dizer: “Olha, se você aplicar novamente o GAMIT 500 na safra de 2014 vamos rebaixá-lo para o nível B e pegar de volta o notebook”. Garanto que uma medida desta seria eficaz para resolver o problema.

*A clorose, em botânica, é a condição de uma planta, em que as suas folhas não produzem suficiente clorofila. As folhas apresentam uma coloração diferente da normal: verde pálido ou amarelado. Pode provocar a morte da planta devido à menor capacidade desta produzir carboidratos.