segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Perigo letal queimar lixo plástico no quintal

O hábito da queima de lixo plástico nos quintais das residências libera fumaça altamente tóxica contendo substâncias químicas conhecidas como dioxinas e furanos* que apresentam um potencial cancerígeno considerável. É um problema ambiental gravíssimo que ocorre no Brasil inteiro, inclusive nas regiões metropolitanas onde há coleta seletiva.

Além da fumaça, o resíduo da queima é da mesma forma muito tóxico, por conter as mesmas substâncias, contaminando para sempre o solo – e não deve ser tocado sem luvas de proteção.

Em Santa Catarina, praticamente todas as residências com fogão a lenha queimam sacos plásticos no fogão (como combustível) junto com a lenha, produzindo grandes quantidades de dioxinas e furanos.

Em São José dos Campos (SP), observo nas imediações do prédio onde moro um catador de recicláveis acumular em seu quintal o descarte de resíduos plásticos sem valor comercial e, com freqüência, atear fogo em tudo, geralmente à noite. A fumaça tóxica se espalha por toda a região central da cidade, se impregnando nos pulmões de milhares de pessoas.

Não há nenhuma campanha para esclarecer a população sobre os riscos à saúde deste péssimo hábito. Ao invés de entregar o lixo para o caminhão de coleta as pessoas acham mais cômodo descartá-lo no quintal de casa e atear fogo, quando não o fazem nas barrocas, terrenos baldios e leito dos rios e córregos.

Eu lembro da minha infância que nas festas juninas em Itaiópolis (SC), antes da era dos sacos plásticos, tínhamos o hábito de queimar pneus velhos na fogueira e a fumaça liberada causava náuseas e muita dor de cabeça. Algumas pessoas da comunidade também queimavam os pneus com freqüência para obter o arame de aço ideal para a fabricação de gaiolas para prender os passarinhos, como o canário-da-terra-verdadeiro (Sicalis flaveola), já que agregavam valor às gaiolas quando as vendiam juntamente com os canários que capturavam na natureza.

Então, a partir daquela época eu já desconfiava que não fazia bem para a saúde queimar pneus. Eu estava certo, conforme revelaram mais tarde os estudos científicos realizados na Europa no final dos anos 70, que inclusive já apontavam a queima de lixo doméstico como a principal fonte de dioxinas.

Algumas formas de dioxinas tóxicas, formadas quando se queimam o lixo plástico, borracha, pneus, solventes etc. (produtos que contenham cloro em sua composição), são consideradas hoje as mais perigosas substâncias já criadas pelo Homem, com grau de toxidade ultrapassando o urânio radioativo (U-235) e o plutônio.

Autoridades do mundo científico destacam que as doenças relacionadas com a contaminação por dioxinas são várias, entre elas o cloroacne**, o câncer no fígado; o câncer no palato; o câncer no nariz; o câncer na língua; o câncer no aparelho respiratório; o câncer na tireóide; a queda de imunidade; malformações e óbitos fetais; abortamentos; distúrbios hormonais; concentrações aumentadas de colesterol e triglicéridos; hiperpigmentação da pele; dor de cabeça e nos músculos; desordem no aparelho digestivo; inapetência, fraqueza e perda de peso; neuropatias; perda da libido e desordens dos sensos.

A contaminação pelas dioxinas ocorre de forma lenta e gradual, em pequenas doses, e não é facilmente detectada porque, em curto espaço de tempo, não gera sintomas. Mas, como são cumulativas no organismo, após alguns anos, as intoxicações pelas dioxinas podem provocar várias doenças fatais.

*Moléculas semelhantes às dioxinas e se diferenciam por possuírem um oxigênio a menos.

** Caracteriza-se pela erupção de comedos e cistos polimórficos após exposição a hidrocarbonetos aromáticos halogenados (que contém cloro), tais como dioxinas e dibenzofuranos. O tratamento é difícil e a cloroacne pode persistir por vários anos, mesmo após interrupção do contato com a substância agressora.

sábado, 10 de setembro de 2011

Por que tantas enchentes em Blumenau?

Deslizamento de grandes proporções ocorrido em 1983 (grande enchente em Blumenau) nas encontas do rio do Couro, onde foi criada a RPPN Taipa Rio do Couro, que faz divisa com outra RPPN que criamos, Corredeiras do Rio Itajai. (clique sobre a imagem para ampliar)

A área da bacia hidrográfica do rio Itajaí é de 15.000 km2 e abrange 47 municípios catarinenses. Em linha reta, a nascente fica a 160 km de distância, em Papanduva (SC). Toda a água drenada nesta imensa área da bacia hidrográfica passa por Blumenau e Itajaí um pouco antes de ser despejada no Oceano Atlântico. Portanto, devido à localização e a imensa área da bacia hidrográfica situada em uma região com elevado índice pluviométrico qualquer chuva forte causa problemas nestas cidades.

São comuns fotos antigas mostrando inundações em Blumenau. No álbum da minha família tem várias destas fotos amareladas, de um período na década de 50 que meu irmão mais velho morou na cidade para estudar. Não é por acaso que desde sua fundação, em 1852, Blumenau já teve 70 enchentes registradas. Uma enchente a cada 2 anos e 3 meses. Há relatos que um ano após a fundação o vilarejo formado pelos primeiros colonizadores já sofreu uma inundação.

Deslizamentos nas cabeceiras do rio Itajai, na RPPN Refúgio do Macuco, ocorridos em set/2o11. Consequência do desmatamento na borda da chapada realizado em 2005. Repare que o infrator continua desmatando. Foto 17/09/2011.


Deslizamento ocorrido nas cabeceiras do rio Itajaí, em frente da RPPN Corredeiras do Rio Itajai. Foto 16/09/2011

Nos últimos anos tem aumentada consideravelmente a pressão para destruir o que resta de mata ciliar preservada, sobretudo nas cabeceiras do rio Itajaí. Isto significa que deve agravar muito o problema das enchentes em Blumenau nos próximos anos. As matas preservadas prestam um serviço ambiental de reter a água das chuvas e liberá-la aos poucos para os rios. Sem as matas, as águas das grandes enxurradas escoam instantaneamente para os rios provocando as enchentes. Com esta devastação toda que está ocorrendo, a situação de quem vive em Blumenau e Itajaí fica a cada dia mais dramática.

Deslizamentos nas cabeceiras do rio Itajaí, em frente da RPPN Corredeiras do Rio Itajai. O deslizamento da esquerda foi consequencia de uma estrada construida recentemente por caçadores para caçar no entorno da RPPN. Foto 16/09/2011

Diante de tanta destruição nós decidimos salvar uma área da bacia hidrográfica do rio Itajaí que concentra uma grande quantidade de rios e nascentes, ou seja, estamos salvando concretamente dezenas de quilômetros de matas ciliares e uma riquíssima biodiversidade. Com muito esforço, usando nossas economias, já conseguimos salvar 860 hectares, que foram comprados pedacinho por pedacinho. Deste total, 215 hectares foram comprados pelo Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade com dinheiro de doadores, que sensibilizaram com a nossa luta. Quase toda a área já foi transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) , situação onde nunca mais poderá ser desmatada.

Deslizamento ocorrido nas cabeceiras do rio Itajaí, em frente da RPPN Corredeiras do Rio Itajai. O local foi desmatado em outubro de 2010. Foto 16/09/2011

Estas poucas matas preservadas que restam e que lutamos para salvar também são castigadas toda a vez que chove muito. Sofrem os efeitos das degradações causadas no entorno, como a ocupação irregular das bordas dos penhascos (chapadas). A cada chuva forte ocorre um deslizamento de grandes proporções. Toda a vegetação e detritos vão parar no rio, represando suas águas até encher rapidamente e estourar, formando uma cabeça d’água (com vários metros de altura), com um poder de destruição semelhante a um tsunami avassalador, que causa uma grande devastação nas margens, arrancado árvores centenárias e destruindo os barrancos.

Destruição provocada por uma cabeça d'água que se formou devido ao represamento - e rompimento em seguida - do rio do Couro pelo desmoronamento da encosta. Este local fica na RPPN Corredeiras do Rio Itajaí, em Itaiópolis (SC) Foto: 22/01/2010.

Somente no entorno da RPPN Corredeiras do Rio Itajaí, a 140 km de Blumenau, com as chuvas intensas dos últimos anos já ocorreram sete deslizamentos de grandes extensões que represaram o rio do Couro, afluente do rio Itajaí do Norte, que atravessa a RPPN. Veja as imagens. É triste de ver o cenário de destruição que a cabeça d’água provoca nas margens, desestabilizando os barrancos que passam a desmoronar com freqüência, derrubando mais árvores raras e centenárias e assoreando os rios.

Árvore caída sobre o rio do Couro na RPPN Corredeiras do Rio Itajai, devido a desestabilização do barranco causada pela erosão da cabeça d'água (liberação da água represada pelos detritos do desmoranamento)

O futuro de Blumenau e Itajaí vai depender dos resultados de nossos esforços de salvar o que resta das matas que protegem as cabeceiras do rio Itajaí. Uma luta que começou no início dos anos 70, quando era adolescente e tentava impedir o desmatamento das margens do rio Itajaí denunciando inutilmente para as autoridades em Brasília, mas não desisti. Nos últimos anos, finalmente, começamos a virar o jogo em Itaiópolis e municípios vizinhos, quando as promotorias (Ministério Público) e Poder Judiciário das comarcas destes municípios começaram a exigir o cumprimento das leis ambientais. Só em Itaiópolis (SC), pelo menos 300 infratores foram multados e processados por crime de desmatamento, a maioria na bacia hidrográfica do rio Itajaí. Claro que o trabalho da fiscalização do IBAMA-SC e Polícia Ambiental de Santa Catarina foi também de fundamental importância.

A pressão para destruir o que resta da mata ciliar do rio Itajaí fica cada vez mais forte e a área a ser fiscalizada é muito extensa o que exige um grande investimento do poder público em infraestrutura de pessoal e de equipamentos para fortalecer os órgãos de fiscalização, como Polícia Ambiental, para que se consiga dar uma proteção adequada à matas preservadas remanescentes do rio Itajaí. O que podemos garantir por enquanto são os 860 hectares que compramos e já transformamos quase tudo em RPPN.

sábado, 3 de setembro de 2011

A luta para impedir que caçadores exterminem a fauna da Mata Atlântica

Acampamento de caçadores na RPPN Refúgio do Macuco, anexa à RPPN Corredeiras do Rio Itajai.

A Mata Atlântica é um ecossistema em acelerado processo de extinção. Restam apenas alguns fragmentos, que ainda abrigam animais raros e ameaçados de extinção. Medidas extremas são necessárias para salvar da destruição total estes vestígios da Mata Atlântica, como comprar estas áreas e transformá-las em reserva (RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural) . É o esforço que estamos fazendo nos últimos anos.

Acampamento de caçadores na RPPN Refúgio do Macuco, às margens do rio do Couro. Na margem oposta fica a RPPN Corredeiras do Rio Itajaí.

Não podemos deixar uma floresta vazia para as gerações futuras. Sem os animais uma floresta morre lentamente porque são eles que plantam as árvores. Deter a ação dos caçadores determinados a não desistirem enquanto não terem certeza que mataram o último animal aparenta ser uma tarefa fácil, mas descobrimos que não é tão simples assim. Esta batalha que estamos travando com os caçadores que atuam na RPPN Corredeiras do Rio Itajaí e entorno nos mostrou que comprar uma área e transformar em RPPN é a parte mais fácil de todo o processo para proteger uma área.

Por ser uma das poucas áreas bem preservada e abrigar uma fauna impressionante de mamíferos e aves muito visados e já exterminados em outros lugares, a pressão de caçadores é muito forte. Já localizamos 9 barracos e ranchos no entorno e até dentro da RPPN construídos pelos caçadores (veja as imagens). Armadilhas e cevas são comuns de serem encontradas. Grupos de até 15 caçadores fortemente armados já foram vistos (e filmados) entrando na RPPN, na barra do rio do Couro (afluente do rio Itajaí) para acampar em um feriado prolongado e destruindo a tiros as placas de advertência que ali é uma área protegida.

Armadilha para capturar PACA (Agouti paca), mamífero ameaçado de extinção e muito raro em Santa Catarina, encontrada na RPPN Corredeiras do Rio Itajai, em Itaiópolis (SC).

Há dois meses, o rapaz que contratamos para cuidar da RPPN quase virou presa dos caçadores e teve a oportunidade de ver de perto um caçador em atividade. Ele ouviu um cachorro latir e se aproximar. Imediatamente se escondeu, deitando no chão. Logo em seguida apareceu o caçador com uma espingarda nas costas e atiçando cachorro. Para sorte do rapaz o cachorro não teve interesse em localizá-lo e o caçador que havia se aproximado até uns 10 metros desistiu de seguir adiante e afastou-se em seguida.

Não está havendo omissão das autoridades locais para o problema do crime de caça. O Ministério Público (Promotoria) e o Poder Judiciário de Itaiópolis têm aplicado todo o rigor da lei para desestimular a ação dos caçadores. Várias armas já foram apreendidas e infratores processados. A Polícia Ambiental de Canoinhas têm feito várias incursões pela mata, subindo e descendo grotões, para surpreender os caçadores que atuam nos lugares mais isolados. Já efetuou prisões de caçadores em flagrante. A Polícia Ambiental de Rio do Sul também faz rondas pela estrada às margens do rio Itajaí e já prendeu caçadores e traficantes de animais (passarinhos) em flagrante. Já tivemos apoio até da Polícia Federal, que recentemente abriu inquérito e está indiciando suspeitos.

Acampamento (barraco de lonas plásticas) de caçadores no meio da mata localizado e destruido pela Polícia Ambiental de Canoinhas (SC).

Com muita dificuldade, um grande esforço das autoridades, como da polícia ambiental, consegue-se inibir a ação de um grupo de caçadores, mas alguns meses depois surge outro mais desafiador ainda, que demanda muito mais esforços e exige outro tipo de tática. Os caçadores atuam em locais de difícil acesso, sem estradas e protegidos por barreiras naturais, como o rio Itajaí e paredões rochosos com até 100 metros de altura.

Acampamento de caçadores às margens do rio Itajai situado na área comprada recentemente para integrar a RPPN Corredeiras do Rio Itajaí.

Boa parte dos caçadores é de fora, mora em São Bento do Sul (SC), Blumenau (SC) Santa Terezinha (SC), Itaiópolis (SC) etc., e recebem apoio para guardar as armas e hospedagem de alguns moradores do entorno, geralmente com vínculo de parentesco com alguém do grupo. Alguns moradores do entorno não resistem à tentação de continuar caçando na RPPN, mesmo correndo o risco de serem presos, cujas chances aumentam a cada dia e eles sabem muito bem disso.

Ficamos indignados com o fato de toda a vez que um caçador é preso, indiciado ou teve a arma apreendida ele passa a nos ameaçar, mandando recado por meio de terceiros, geralmente parentes. Basta que o caçador perceba que aumentou o risco de ser pego em flagrante pela polícia que ele parte para ameaças. Dias atrás um recado que mandaram para mim foi o seguinte: “Eu sei como esperar com a espingarda e matar um bicho que anda por uma trilha na mata e tática para pegar o Germano é a mesma”. O que o caçador não sabe é que este tipo de ameaça não surte o efeito desejado, não me intimida mais, porque eu já estou acostumado.

Tubo de PVC com tampas utilizado para esconder espingardas encontrado em um acampamento de caçadores.

É um desafio muito grande defender com seriedade a natureza no Brasil. Os animais silvestres estão com dificuldade em sobreviver nos fragmentos cada vez menores da Mata Atlântica e ainda precisa escapar dos tiros e armadilhas de caçadores impiedosos, que não respeitam nada.